Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é
o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Brasília…Uma prisão ao ar livre.
Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas
tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da
noite.
Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito
trabalho.
Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu
mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e
oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher
que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não
pode ficar sozinha com a alegria, e precisa repartila. Paga-se
extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É
urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até
parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite
cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde
demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror
do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria
que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em
drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da
alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes
acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da
cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa
por estar num anúncio a dilarecerar os outros. Mas juro que há em meu rosto
sério uma alegria até mesmo divina para dar.
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a
escrever.
Já que se há de escrever... que ao menos não se esmaguem com palavras as
entrelinhas.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível
de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.
E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de,
se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive
muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de
que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida.
Ela acreditava em anjo e, porque
acreditava, eles existiam
Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não,
ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca
dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então
sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela
que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas
suas, ela doce arde, arde, flameja
Liberdade é pouco. O que eu desejo
ainda não tem nome.
Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha
necessária.
E o que o ser humano mais aspira é tornar-se ser humano.
... estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender.
Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o
que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização
profunda.
Clarice Lispector
... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de,
se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive
muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar
de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria
vida. Foi o apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você
esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é
bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por
isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso.
Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de
acertar.
Eu não: quero é uma realidade inventada.
...passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de
sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa
um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.
Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender
é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou
muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um
dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente
e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um
desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a
inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que
não entendo.
O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.
Porque há o direito ao grito. Então eu grito.